No dia 5 de abril de 2016, o aluno Marcos Felipe de Oliveira Galvão apresentou a sua tese de doutorado pelo programa de Pós-graduação em Bioquímica da UFRN, que teve como título: “Caracterização do material particulado e avaliação do risco ocupacional e mecanismos moleculares associados à queima artesanal da castanha de caju“. A banca avaliadora foi composta pelos professores José Antônio Menezes Filho (UFBA), Gisela de Aragão Umbuzeiro (UNICAMP), Susana Margarida Gomes Moreira (UFRN), Viviane Souza do Amaral (UFRN) e Silvia Regina Batistuzzo de Medeiros (UFRN).
O Brasil se destaca entre os maiores produtores de castanha de caju do mundo e o estado do Rio Grande do Norte, juntamente com o Ceará e Piauí, configuram entre os três maiores produtores nacionais. No entanto, a queima da castanha ainda é realizada de forma artesanal, sobretudo no semiárido brasileiro.
Diante disto, o objetivo do estudo foi realizar uma caracterização físico-química do material particulado (MP) emitido pela queima artesanal da castanha de caju, assim como determinar o risco ocupacional e mecanismos moleculares associados.
Métodos
Foram utilizados dois métodos de medição do MP, um baseado nas propriedades óticas das partículas, enquanto que o segundo nas análises gravimétricas. Em seguida, as partículas foram caracterizadas fisico-quimicamente por microscopia eletrônica de varredura (MEV) acoplada a espectroscopia de raio X por energia dispersiva (EDS), além de um complexo sistema de cromatografia líquida de alta eficiência acoplado a um cromatógrafo gasoso conjugado com um espectrômetro de massa (CLAE-CG-EM).
As análises de dispersão, trajetória e deposição do MP foram calculadas utilizando o modelo NOAA-HYSPLIT.
O monitoramento da população exposta foi avaliado pela quantificação de biomarcadores de exposição na urina (1-hidroxipireno) e de efeitos genotóxicos e citotóxicos nas células da mucosa oral dos trabalhadores (micronúcleos, broto nuclear, cariólise, cariorréxis, picnose, condensação da cromatina e células binucleadas).
Os mecanismos moleculares foram avaliados em cultura de células do pulmão humano (A549), utilizando técnicas de biologia molecular, tais como a avaliação da fosforilação de proteínas por western blot e a expressão gênica por PCR quantitativa em tempo real (qRT-PCR).
Os experimentos foram conduzidos pelo doutorando Marcos Felipe envolvendo diversos laboratórios da UFRN, tais como o Laboratório de Biologia Molecular e Genômica (LBMG), Laboratório de Mutagênese Ambiental (LAMA), Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura e o Grupo de Pesquisa de Modelagem e Observação de Química da Atmosfera (GP-MOQA), bem como as parcerias nacionais com o Laboratório de Estudos em Química Atmosférica do IQ-USP e Laboratório de Toxicologia da UFBA. Além disso, foram conduzidos experimentos nas instituições envolvidas durante o doutorado sanduíche, a Universidade de Estocolmo e o Karolinksa Institutet, Suécia.
Resultados e considerações finais
As características mais evidentes do MP foram a prevalência de partículas finas, morfologias típicas da queima de biomassa e dos elementos K, Cl, S, Ca e Fe. Além disso, as análises de modelagem atmosférica sugerem que essas partículas podem atingir regiões distantes da fonte de emissão.
Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) com potencial carcinogênico, tais como: benzo(a)pireno, dibenzo(a,h)antraceno, benzo(a)antraceno, benzo(b)fluoranteno, criseno, benzo(k)fluoranteno, indeno(1,2,3,-c,d)pireno e benzo(j)fluoranteno foram os mais abundantes nas duas campanhas de monitoramento do ar.
Dentre os oxi-HPAs, a benzantrona (7H-benzo(d,e)antraceno-7-ona) teve a maior concentração e a avaliação do risco de câncer de pulmão indicou um aumento de 12 a 37 casos de câncer a cada 10.000 pessoas expostas.
A exposição ocupacional aos HPAs foi confirmada pelo aumento dos níveis urinários de 1-hidroxipireno, assim como a genotoxicidade foi evidenciada pelo aumento de micronúcleos e broto nuclear em células da mucosa oral, nos trabalhadores expostos. Outros biomarcadores de efeito, tais como cariólise, cariorréxis, picnose, condensação da cromatina e células binucleadas também tiveram a sua frequência aumentada quando comparado com um grupo controle não exposto.
A investigação dos mecanismos moleculares associados ao extrato orgânico do MP mostrou citotoxicidade em células do pulmão humano (A549) em concentrações ≥ 4 nM BaPeq.
Utilizando doses não citotóxicas, o extrato foi capaz de ativar proteínas envolvidas na via de resposta ao dano no DNA (Chk1 e p53). Além disso, foi verificado a contribuição específica dos quatro HPAs mais representativos na amostra de queima da castanha de caju e o benzo(a)pireno foi o HPA mais eficiente na ativação de Chk1 e p53.
Por fim, o extrato orgânico foi capaz de aumentar de forma persistente a expressão de mRNAs envolvidos na metabolização dos HPAs (CYP1A1 e CYP1B1), bem como resposta inflamatória (IL-8 e TNF-α) e parada no ciclo celular (CDKN1A) para reparo no DNA (DDB2).
As altas concentrações de MP e os seus efeitos biológicos associados alertam para os graves efeitos nocivos da queima artesanal da castanha de caju e medidas urgentes, tais como a organização dos trabalhadores em associações e cooperativas, a viabilização de projetos de mini-fábricas com sistemas de exaustão coletiva que eliminam os poluentes atmosféricos, o uso de equipamentos de proteção individual, como luvas e máscara, bem como a melhoria no sistema de saúde da comunidade devem ser tomadas para o desenvolvimento sustentável da atividade.
Confira:
Marcos Felipe participou do projeto Doutores do Conhecimento, uma iniciativa da Pró-Reitoria de Pós-Graduação em parceria com a Secretaria de Educação a Distância: https://www.youtube.com/watch?v=sFjnioeD2i8